terça-feira, 17 de agosto de 2010

O POLO E OS POLEIROS

O Polo e os Poleiros



Vila estranha, com gente esquisita.


O Polo Industrial de Camaçari é uma vila com aspectos de cortiço. Quase
sempre é uma vila aprazível, onde as pessoas, conhecidas de longos anos de
convivência, passam seus dias trabalhando harmonicamente. Mas não se deixe
enganar.... vez por outra, essa vila vira um grande cortiço, com todas as
suas particularidades.

Como toda Vila, o Polo tem suas leis específicas, a maioria delas passada
de geração a geração.

Os seus habitantes podem ser divididos em 4 categorias:
a) homens;
b) mulheres;
c) estagiários; e
d) micos.

A primeira categoria – homens – é muito distinta daquela que habita a
cidade grande. Como diz o ditado, “em Roma, como os romanos”, os novos
moradores logo se adaptam à vestimenta local, que se resume a camisa
quadriculada, calça jeans e, quase sempre, uma pochete presa à cintura.

A segunda categoria – mulheres – parece saída do século passado, muitas
ainda presas nos terríveis anos 80. Isso é especialmente percebível nos
penteados. Além disso, nessa Vila ainda impera a ditadura das cores para os
dias da semana. Onde mais você pode ver tantas mulheres usando vermelho
numa quarta-feira ? Consigo ainda dar conta de que quinta é dia de verde e
sexta é dia de branco, que neste caso se resume a uma blusinha, já que
saias e vestidos são raríssimos por essas bandas. E as sacolas ? É
impossível para um exemplar do sexo feminino sair de casa sem uma
sacolinha. Sabe-se lá do que a gente pode precisar ? É a lei. Polo ?
Sacolinha !!!

A terceira categoria – estagiários – tem seu mundo próprio. Todos,
invariavelmente usam MP3 nas viagens de ônibus, conhecem barzinhos e
frequentam lugares que nós, Poleiros, jamais poderíamos imaginar que
existissem. Importante ressaltar que o “pagamento de cofrinho” é
compulsório para os exemplares do sexo feminino.

Os micos estão sempre presentes, olhando pra gente com aquela cabecinha que
inexplicavelmente gira 360 em torno do pescoço e nos fazem lembrar um pouco da natureza, entre um tanque de hidrogênio e uma tubulação de vapor. Muito embora eu sempre ache que um dia eles farão uma revolução e tomarão o poder na empresa (bom, talvez eu tenha assistido a episódios demais do Planeta dos Macacos). Mas a sua presença constante é perturbadora.

O meio de transporte mais utilizado pelos moradores da Vila é o ônibus, e
funciona em sistema de Pool, atendendo a várias empresas do complexo
industrial. E é nesse coletivo meio de transporte onde ocorrem os mais
diversos problemas de convivência.

Como exemplo, posso citar o vizinho que, preso aos seus hábitos de higiene,
todas as segundas-feiras corta as unhas dentro do buzu. Ao menos, só as das
mãos. Poxa vida, eu não quero ver essa cena, não quero ser coadjuvante nos
cuidados pessoais do tal colega. Mas é melhor relevar, pois tem um muito
pior que limpa o nariz durante os trajetos.

Outro dia mesmo, na viagem de volta para casa, participei de toda a
negociação de uma vizinha que iria a uma festa no fim de semana. Soube que
uma amiga emprestou um vestido, mas ela precisou comprar um sapato e uma
bolsa para combinar. O marido da criatura tinha ido à costureira buscar o
Vestido da filha, que precisou ajustar... Gente, tudo conversado no
celular, durante o roteiro. Poderia tranquilamente morrer sem saber desses
detalhes da vida da outra.

E as brincadeiras, ah... sempre as mesmas. Uma vizinha todos os dias diz
que quer trabalhar na mesma empresa e que vai mandar o currículo e eu,
mantenho meu sorriso amarelo de sempre.

É preciso dizer que não há maquiagem e penteado que resistam a uma hora de
trajeto na ida para o trabalho. O que dá tempo de “montar” antes da 6h da
matina é facilmente desmontado pela ação dos mais de 60 minutos de viagem.

Registro aqui minha indignação. Acordo todos os dias às 5h10 e, quando me
levanto, meu cachorro (ainda sonolento) me olha com um olhar de desprezo
porque acendi a luz do quarto. Vou tomar banho e ele lá, cochilando. Isso
só pode revoltar a pessoa.

Chegando à fábrica, é só pegar a máscara de fuga (que devemos levar a todo
lugar e é verde – pode acreditar), ir ao refeitório para o café da manhã.
Outra maratona. Pego um prato e espero um pouco para pegar um pão quentinho e escolho um de milho, muito embora todos tenham exatamente o mesmo sabor.

Daí me dirijo ao balcão de café. Tem café, mas o leite acabou. Espero a
reposição. Me sirvo de um pouco de leite, praticamente fervendo. Busco um
pouco de leite frio, pois não quero queimar a língua. Não tem, quer dizer,
tem, mas acabou. Espero a moça que tem a chave do estoque chegar, buscar o
leite frio, cortar a caixinha e pronto, esfrio um pouco o café. Pronto,
assim imagino. Qual nada. Faltou o talher. Tem colher, mas não tem faca.

Vou assim mesmo para a mesa, que está cheia de migalhas de pão. Viro o jogo
americano e me acomodo. A essa altura, o pão está gelado. Como com
resignação.

Volto para a sala, mas antes passo no banheiro para escovar os dentes e dar
uma geral na maquiagem. Aborrecimento garantido. Por essas bandas, é
proibido encostar na bancada da pia, sob o risco de molhar a blusa com a
água que não escorre. Boto batom, penteio os cabelos e volto pra sala.

Trampo pesado. Telefone que toca sem parar, as mesmas perguntas bobas sobre “quem seria o diretor”... etc. Suporto com pouco esforço.

Chega a hora do almoço, no mesmo refeitório, quase sempre na mesma mesa e, Em geral, com as mesmas companhias. 11 anos depois, já sabemos tudo sobre o outro. Quem casou, quem separou, quem está saindo com quem, quem tem Netinhos, quem vai se aposentar. É quase uma grande família.

Depois, um cafezinho antes de voltar ao trampo.

16h54, esse número cabalístico marca a hora de sair. Vamos para o ponto de
ônibus e, ultimamente, dá cada vez mais desespero em voltar. Alguns dias o
retorno dura mais de 2h30 só de engarrafamento.

Observe um ponto de chegada do Polo. Parecemos todos irmãos com as mesmas caras. Cansados, amassados, com sono e com tédio, depois de
tantas horas em vão no ônibus.

Depois dessa maratona de retorno, só dá tempo de tirar um cochilo em casa e
começarmos tudo de novo no dia seguinte.

Coragem, irmã !!!
(escrita num dia de muito tédio)

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